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Marina Stuginski

Matéria e Mística no dia de Reis

Bem-vinda ao nosso jornal | Matéria e Mística | que se inicia sob os auspícios dos Reis Magos.
Personagens dos Reis Magos em traje típico da folia de Reis no Brasil.  Usam chapéu de ponta,  máscaras, espadas e fitas. Os tecidos são estampados com os tradicionais desenhos das chitas brasileiras.

Folia de Reis comemorado dia 6 de janeiro. Foto de Adriano Rosa. Fonte G1.



Quero iniciar este espaço, JORNAL | MATÉRIA E MÍSTICA, no dia dos Reis Magos, 6 de janeiro, ou pelo menos estou escrevendo neste dia, e agora, no seguinte também.

"Guiados pelas estrelas e pela Estrela de Belém, os Reis Magos levavam “os presentes dos coroados” para o menino Jesus, que iniciava seu despertar espiritual. É neste dia especial, que se comemora a mística dos iniciados através dos símbolos contidos na visita dos Reis Magos ao recém-nascido, que em breve irá "adentrar o inverno pelas terras escuras do Egito"", que inicio este espaço, escrevendo meu primeiro texto, para compartilhar sobre a "Matéria e Mística" da arte e ciência de tingir.
Escolhi este dia porque os "Reis" representam nossos mestres, que mesmo não podendo segurar nossa mão quando estamos na escuridão, e nem mesmo nos dar um abraço, estão lá, soprando em nossos corações, para que a menor faísca se torne forte e vença a escuridão.

"Por este instrumento supremo em forma de ovo, e que é o universo, as coisas invisíveis e eternas se manifestam", descreveu Hildegard de Bingen sobre a 3ª visão de "Scivias".


Faz tempo que queria iniciar este projeto, de escrever sobre a mística e a ciência do tingimento, porque é um vasto assunto e existe pouco material organizado, então poucas pessoas têm acesso, tanto aos conteúdos quanto às chaves para interpretação, pois a alquimia, que é “o braço filosófico e místico" de quem pratica a química, é repleta de símbolos, alegorias e parábolas.
Eu também escreverei em parábolas algumas vezes, pois é um método sofisticado para desenvolvermos o pensamento simbólico e o pensamento que vem de dentro do sentir e assim, cada vez mais, ser mais simples ler textos complexos, mas também pretendo escrever sobre os diversos símbolos usados, que formam o pensamento místico dos artesãos tintureiros, nas diversas Idades e culturas.

O termo "alquimia" ficou conhecido pelos escritos de Zósimo, de Panópolis (que sincronicidade!), do Egito, mas como ele mesmo diz em suas cartas, o termo é muito antigo.
Zósimo era um tintureiro, assim como eu, que buscava através de seu trabalho o contato com o mistério na matéria. Para ele, o trabalho alquímico se refletia em cores mais fixas e brilhantes, como que se tivessem vida. Zósimo percebia que as coisas feitas em oração possuíam uma emanação. Talvez Zósimo fosse um artesão e sacerdote que conhecia os mistérios dos antigos iniciados artesões egípcios, que guardavam os ensinamentos de milênios sobre a artesania de tintas, tingimento, extração e purificação dos metais, excreção dos metais, metalurgia, curtume e além, mas talvez Zósimo fosse somente um iniciado presenteado pelo universo com diversos ensinamentos ocultos, que o tornou Mestre tintureiro e artesão, de tecidos, pedras e metais e sacerdote. Zósimo definia a alquimia como sendo “o estudo da composição das águas, movimento, crescimento, encarnação e desencarne, retirada dos espíritos de corpos e ligação dos espíritos entre os corpos”. Veja como sua definição, mesmo que fortalecendo a presença do mistério, fala sobre química e bioquímica! Não é como nós tintureiras fazemos em nosso serviço? Quem tinge em água dura? Quem tem medo do vai-e-vem do indoxil? Quem anda se aventurando no tingimento com bactérias?

"anotações e Desenhos de Zósimo" - para seu tratado alquímico - Reproduzido no século XV.


Quantos desencarnes e encarnes fazemos em nossas matérias-primas através da extração e do tingimento? Extraímos das plantas e fixamos em outra matéria. E os mordentes com seus humores traiçoeiros e suas curas necessárias? Retiramos os metais do solo, separamos um dos outros, purificamos e utilizamos para fixar o sangue vegetal no tecido sem cor, dando vida e alegria ao corpo pálido e seco da fibra celulósica manufaturada. É tão lúcida e técnica a definição de alquimia por Zósimo, que poderia dizer, como dizem os que nunca experimentaram, que as alegorias de seus textos alquímicos e místicos são somente feitas para preservar a técnica entre aqueles que exercem o artesanato e sabem e sentem as parábolas no trabalho de todo dia, e então, através de alegorias, obtém o conhecimento tecnológico.
Mas a experiência mística na arte de tingir foi experimentada por diversos tintureiros que se iniciam no mistério. Existem registros em mitos, textos filosóficos, textos sagrados, na arte de diversas culturas, que corroboram com minha afirmação da experiência mística através do tingimento. Vou trazendo aos poucos, em revisões bibliográficas.
Tenho muitas coisas para falar sobre Zósimo e diversas reflexões para fazer sobre o seu trabalho, então voltarei sempre a ele. E antes de finalizar as boas-vindas, quero introduzir algumas informações que serão guias para quem quiser pesquisar. Zósimo viveu no Egito por volta do ano 300 DC e foi um gnóstico. Os gnósticos eram grupos místicos heterogêneos que buscavam o florescer do coração através do estudo e da aplicação da filosofia de Cristo na vida, para atingir a gnose, a iluminação, a abertura do coração, e tiveram escolas místico-filosóficas em diversos lugares da Bacia do Mediterrâneo, como Egito, Turquia, Grécia, Síria...

Imperador e imperatriz de tiro, justiniano e teodora, vestidos com tecidos tingidos da lendária púrpura de tiro, que é o corante com maior quantidade de registros em textos místicos e sagrados.


E apesar de Zósimo não ser o mais antigo tintureiro alquimista, já que a arte mística e a ciência do tingimento é muito antiga, mais antiga que os antigos artesões dos faraós (pense em Zósimo chamando de antigo os antigos artesões), que se sacrificavam junto ao faraó para manter sigilo, ele é muito importante quando queremos estudar a alquimia, isto quer dizer, a filosofia mística da química, nos processos de beneficiamento têxtil, já que deixou muitos escritos e muito conhecimento banhado por toda tradição tintureira da região, compostas por cidades como Tiatira e Tiro, e além, banhada pelos conhecimentos orientais, chineses e indianos, que vinham com a Rota da Seda. Literalmente, “Os Mistérios Embrulhados Em Panos”.

Reis MAgos de Carybé | Figurino para Gabriela Cravo e Canela - 1983




E VIVA A FESTA DOS SANTOS REIS



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